No cenário atual, onde o aumento de ações indenizatórias contra médicos se tornou uma realidade crescente, a elaboração de cuidados e necessidades de documentos médicos, especialmente prontuários, se destaca como uma ferramenta indispensável de defesa para os profissionais da saúde. Em um contexto de judicialização da medicina, o prontuário médico deixou de ser apenas um registro clínico e passou a assumir papel central na proteção legal e ética tanto de médicos quanto de pacientes.
Historicamente, a prática da medicina era menos formal e muito mais pessoal. O médico de família, uma figura quase paternal, acompanhava os membros de uma família por toda a vida, desde o nascimento até a morte, e a relação médico-paciente era baseada na confiança mútua, sem a complexidade burocrática dos dias atuais. Com o avanço da tecnologia e o desenvolvimento das normas jurídicas, a medicina se transformou em um campo com rigorosas responsabilidades e obrigações legais.
Exemplos de Casos Reais
Casos emblemáticos ao longo dos anos ilustram a importância crítica da documentação médica. Em 1995, um médico foi condenado por negligência após não ter registrado o histórico de um paciente que faleceu, ou que impossibilitou a comprovação da conduta adotada. Em 2002, outro caso de grande repercussão envolveu um movimento processado por não documentar corretamente o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) antes de realizar uma cirurgia complexa. Em 2010, um hospital foi condenado a pagar danos morais por não manter o prontuário de um paciente pelo tempo exigido por lei.
Esses exemplos destacam o caráter essencial do prontuário médico como documento legal e de defesa. Ele é uma prova concreta de diligência, responsabilidade e cuidado do médico para com seu paciente, fornecendo uma linha de tempo detalhada e incontestável do tratamento. Sem essa documentação, os médicos podem encontrar grandes dificuldades em provar a adequação e a correção de suas condutas diante de análises de erro médico.
Prontuário Médico como Documento Legal
A elaboração do prontuário médico vai além da simples formalidade. Ele é um documento de caráter legal, conforme reforçado pelo art. 1º do Código de Defesa do Consumidor (Lei 8.078/90) , que define o médico como fornecedor de serviços, obrigando-o a fornecer informações claras e específicas sobre os serviços prestados. No contexto jurídico, o prontuário serve como defesa em ações judiciais e procedimentos administrativos, sendo frequentemente o principal meio de prova da boa prática médica.
Além disso, o prontuário é considerado uma obrigação ética. Segundo Maria Helena Diniz , “a omissão ou má elaboração de registros clínicos pode ser considerada negligência, imperícia ou imprudência, gerando a responsabilização do médico por eventuais danos causados ao paciente”. A jurisdição do Superior Tribunal de Justiça (STJ) também reforça essa visão, confirmando que a ausência de informações adequadas no prontuário pode resultar em responsabilização civil e ética.
O Código de Ética Médica , previsto pela Resolução CFM nº 2.217/2018 , é claro ao determinar as obrigações dos médicos no que diz respeito à documentação. Ó arte. 87 estabelece que “é vedado ao médico deixar de elaborar prontuário legível para cada paciente”, enquanto o art. 88 veda ao médico “deixar de fornecer laudo médico, quando solicitado pelo paciente ou seu representante legal”. Portanto, o prontuário não apenas resguarda o paciente em relação à continuidade de seu tratamento, mas também protege o médico contra possíveis litígios ou questionamentos sobre sua conduta.
Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE)
Outro aspecto fundamental no processo de documentação é o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (TCLE) , que se refere ao direito do paciente de ser informado sobre os riscos, benefícios e alternativas de um tratamento ou procedimento médico. A omissão desse documento pode configurar infração grave ética e legal. O Código de Defesa do Consumidor (art. 6º, III) consagra o direito à informação clara e adequada, estendendo-se ao dever do médico de fornecer essas informações de maneira transparente e explicativa.
A Resolução CFM nº 1.995/2012 , que regulamenta o TCLE, reforça a importância desse termo como garantia de que o paciente receba informações suficientes para tomar uma decisão consciente sobre seu tratamento. O consentimento informado é um dever relacionado à prática médica, e sua ausência pode resultar em responsabilização tanto civil quanto ética, conforme reforçar o art. 14 do Código de Defesa do Consumidor . Na esfera civil, a jurisdição brasileira é unânime em considerar que a falta de consentimento informado é passível de gerar danos morais, tendo em vista a violação dos direitos de autonomia do paciente.
Prontuário como Ferramenta de Defesa
A prática médica contemporânea exige dos profissionais um alto nível de diligência, não apenas no cuidado ao paciente, mas também na forma como esse cuidado é documentado. O prontuário médico deve ser preenchido de maneira clara, precisa e detalhada, em conformidade com as diretrizes da Resolução CFM nº 1.821/2007 , que estabelece regras sobre o conteúdo e guarda do prontuário.
Além de ser um instrumento de continuidade no cuidado do paciente, o prontuário é fundamental em casos de contestações judiciais. Como aponta Sérgio Cavalieri Filho , “a prova documental, especialmente o prontuário, é de grande valor nos processos de responsabilidade civil médica, uma vez que permite reconstruir toda a cadeia de eventos clínicos”. Isso reforça a ideia de que o prontuário deve conter todas as informações relevantes, desde o histórico médico até os exames realizados, medicações prescritas e evolução clínica.
Responsabilidade Ética e Legal
A responsabilidade pela adequada manutenção do prontuário está prevista no Código de Processo Ético-Profissional , instituído pela Resolução CFM nº 2.145/2016 , que, em seu art. 1º , estabelece que “o processo ético-profissional tem por finalidade apurar a responsabilidade do médico por infração aos preceitos do Código de Ética Médica”. Portanto, o cumprimento do preenchimento ou a conservação adequada dos prontuários médicos pode resultar em processos éticos no âmbito dos Conselhos Regionais de Medicina.
Conclusão
Na medida em que a sociedade se torna cada vez mais litigiosa, a importância do prontuário médico e demais documentos clínicos como defesa diante do aumento de processos indenizatórios e éticos não pode ser subestimada. Eles são ferramentas essenciais para garantir a qualidade do atendimento ao paciente e proteger os profissionais de saúde contra questões infundadas ou injustiças. É vital que os médicos se conscientizem da importância de manter uma documentação detalhada e precisa, não apenas como uma medida de autoproteção, mas, sobretudo, como um ato ético e de respeito ao paciente.